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Chorar e rir ao mesmo tempo? Tá na Bíblia.

Chorar e rir ao mesmo tempo

Cantar e dançar na hora da crise é se recusar permitir a vitória da escuridão e do medo

O mundo nunca viveu tantas tragédias. Que atitude tomar diante do caos, das perdas, dos prejuízos e dos inevitáveis recomeços? Como e quando poderemos cantar e dançar de novo?  

Como romper a barreira do luto que se instala sempre que temos uma perda?

A pergunta paira pesada no ar, como uma nuvem que não conseguimos alcançar, através dos pedaços e destroços que caíram sobre nós. Como podemos nos mover quando o chão debaixo de nossos pés tem a consistência de uma casca de ovo? 

Mas, aqui estamos nós, no dia da adversidade em que tudo falha, tudo dá errado, todas as faturas chegam, todas as dores e lágrimas nos querem soterrar. Hora de escuridão e pânico. O que fazer quando o mundo cai ao nosso redor?

Coragem e moderação parecem coisas impossíveis, não é? 

Quase demais para perguntar. Mas talvez essa seja a razão pela qual precisamos perguntar isso. Não porque haja uma resposta fácil, mas porque o ato de perguntar pode ser o que nos leva de volta à vida. Na tradição judaica existe um estranho e belo paradoxo: a dança de quebrantamento total. 


O desespêro que nos paralisa, numa fração de segundo, faz refletir sobre nossos fracassos, nossas perdas, nossa necessidade de resgate.


Salmo 126 - Cântico para os peregrinos a caminho de Jerusalém.

Quando o Senhor trouxe os exilados de volta a Sião, 

foi como um sonho.

Nossa boca se encheu de riso, 

e cantamos de alegria. 

As outras nações disseram: 

"O Senhor fez coisas grandiosas por eles".

Sim, o Senhor fez coisas grandiosas por nós; 

que alegria!

Restaura, Senhor, nossa situação, 

como os riachos revigoram o deserto.

Os que semeiam com lágrimas 

colherão com gritos de alegria.               

Choram enquanto lançam as sementes, 

mas cantam quando voltam com a colheita.

O contexto desse Salmo 126 propõe, exatamente, o paradoxo da atitude radical da mudança. Uma transformação explosiva e instantânea. Agarrados à Palavra do Altíssimo decidimos sair da cova profunda e escura como se tivéssemos deixado todo o quebrantamento para trás. Mas sabemos melhor, não sabemos?                O quebrantamento não desaparece na hora. Nós o carregamos conosco enquanto ele vai se esfarelando até virar pó.

Então, avançamos quando ainda seguramos todos aqueles pedaços quebrados?

Não se trata de esquecer a dor ou fingir que está tudo bem. Trata-se de assumir o quebrantamento e ainda encontrar uma maneira de se mover. 

Às vezes, no mais profundo silêncio, há uma espécie de som sagrado, uma presença que fala sem palavras. É nesse silêncio que poderemos encontrar forças para dar esse primeiro passo. E então lembramos que cantar e dançar nem sempre é sobre alegria. Às vezes, cantar e dançar é um ato de sobrevivência. Às vezes, é uma forma de dizer, “Ainda estou aqui. Ainda estou vivo.” Trata-se de recuperar nossos corpos, nosso espaço, nosso direito de existir no mundo apesar de tudo o que tentou tirar isso de nós. Cantar e dançar torna-se um ato de desafio, uma forma de se recusar a deixar a escuridão vencer.  


Salmo 137