Cantar e dançar na hora da crise é se recusar permitir a vitória da escuridão e do medo
O mundo nunca viveu tantas tragédias. Que atitude tomar diante do caos, das perdas, dos prejuízos e dos inevitáveis recomeços? Como e quando poderemos cantar e dançar de novo?
Como romper a barreira do luto que se instala sempre que temos uma perda?
A pergunta paira pesada no ar, como uma nuvem que não conseguimos alcançar, através dos pedaços e destroços que caíram sobre nós. Como podemos nos mover quando o chão debaixo de nossos pés tem a consistência de uma casca de ovo?
Mas, aqui estamos nós, no dia da adversidade em que tudo falha, tudo dá errado, todas as faturas chegam, todas as dores e lágrimas nos querem soterrar. Hora de escuridão e pânico. O que fazer quando o mundo cai ao nosso redor?
Coragem e moderação parecem coisas impossíveis, não é?
Quase demais para perguntar. Mas talvez essa seja a razão pela qual precisamos perguntar isso. Não porque haja uma resposta fácil, mas porque o ato de perguntar pode ser o que nos leva de volta à vida. Na tradição judaica existe um estranho e belo paradoxo: a dança de quebrantamento total.
O desespêro que nos paralisa, numa fração de segundo, faz refletir sobre nossos fracassos, nossas perdas, nossa necessidade de resgate.
1 Quando o Senhor trouxe os exilados de volta a Sião,
foi como um sonho.
2 Nossa boca se encheu de riso,
e cantamos de alegria.
As outras nações disseram:
"O Senhor fez coisas grandiosas por eles".
3 Sim, o Senhor fez coisas grandiosas por nós;
que alegria!
4 Restaura, Senhor, nossa situação,
como os riachos revigoram o deserto.
5 Os que semeiam com lágrimas
colherão com gritos de alegria.
6 Choram enquanto lançam as sementes,
mas cantam quando voltam com a colheita.
Então, avançamos quando ainda seguramos todos aqueles pedaços quebrados?
Às vezes, no mais profundo silêncio, há uma espécie de som sagrado, uma presença que fala sem palavras. É nesse silêncio que poderemos encontrar forças para dar esse primeiro passo. E então lembramos que cantar e dançar nem sempre é sobre alegria. Às vezes, cantar e dançar é um ato de sobrevivência. Às vezes, é uma forma de dizer, “Ainda estou aqui. Ainda estou vivo.” Trata-se de recuperar nossos corpos, nosso espaço, nosso direito de existir no mundo apesar de tudo o que tentou tirar isso de nós. Cantar e dançar torna-se um ato de desafio, uma forma de se recusar a deixar a escuridão vencer.